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Carta da Frente de Resistência e Luta Pataxó 26/05/2008
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Ao Ilmo. Sr. Márcio Meira Presidente da Funai Caro Senhor Presidente, Nós, abaixo assinados, índios pataxó representantes do nosso povo e da Frente de Resistência e Luta Pataxó, dirigimo-nos à V. sa. para contraditar, na forma da Lei, o relatório de identificação da assim denominada Terra Indígena Barra velha do Monte Pascoal, aprovado em Despacho de nº 4 dessa Funai, de 27 de fevereiro de 2008, assinado pelo seu Presidente substituto e publicado no Diário Oficial da União a 29 de fevereiro seguinte. O motivo da presente contestação é o fato de que os limites territoriais ali estabelecidos não correspondem integralmente aos da Terra tradicionalmente ocupada pelo povo Pataxó, habitante da aldeia de Barra Velha, nossa aldeia mãe, e de outras, em nosso território do Monte Pascoal, de acordo com o estabelecido no Artigo 231 da Constituição Brasileira, conforme passamos a expor. 1. A Terra Indígena Pataxó do Monte Pascoal É uma só! Queremos de início questionar, Senhor Presidente, o fato de a Funai ter partido em dois processos o processo de identificação da nossa Terra na região do Monte Pascoal, acrescentando ao processo original para redefinição de limites da Terra Indígena Barra Velha (já demarcada) e identificação de limites do território do Corumbauzinho, contíguo àquela; um outro processo, para identificação de limites das áreas de Caí e Pequi que, no entanto, nada mais são que partes de um território único que já poderia e deveria ter sido percebido e considerado como tal no processo anteriormente existente. De fato, Senhor Presidente, os estudos relativos aos dois processos, coordenados pela mesma antropóloga, como não poderia deixar de ser, nada mais fizeram que constatar, efetivamente, a dita unidade do nosso território, tanto que os limites propostos para as supostamente "duas" Terras Indígenas se confrontam em extensão considerável. Contudo, por razões que desconhecemos, os dois processos seguirão em separado, um para identificação do que ora se aprova como "Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal" e outro com o que será, pelo que sabemos, uma "Terra Indígena Comexatiba". Vale enfatizar, senhor Presidente, que, pelo que se sabe, conforme já dito, boa parte do limite Sul da Terra ora identificada, nada mais é que o que será o limite Norte da "outra" Terra, conforme informado no próprio relatório ora publicado. Ora, Senhor Presidente, por que partir em duas Terras contíguas o que nada mais é que uma Terra única, de um só povo, o Pataxó, com uma única história?! Acaso a Funai julga relevante e imprescindível abrir e manter uma picada demarcatória de vários quilômetros que nada mais será que uma inútil picada dentro do território ancestral de um mesmo povo? Por estas razões, começamos, Senhor Presidente, por questionar todo o limite Sul do Memorial Descritivo publicado, por entendermos que, até que se conheça oficialmente a descrição de limites da suposta Terra Indígena Comexatiba, todo este dito limite Sul nada mais faz que seccionar o que não pode ser jamais seccionado, a nossa Terra Indígena pataxó tradicional, única e indivisível! Voltaremos adiante, Senhor Presidente, a considerações sobre este limite Sul. Passaremos antes, porém, de modo mais específico, a outros pontos de nossa contestação, tratando de outras porções da nossa Terra Indígena que foram inexplicavelmente excluídas e amputadas nos limites publicados. 2. Limite Norte: não aceitamos a exclusão da área entre o Guaxuma e o Benício! Os rios Guaxuma, entre a rodovia BR-101 e a sua foz no rio Caraíva, e este rio Caraíva, deste ponto à localidade do Limoeiro, formam, Senhor Presidente, um trecho seguro e verdadeiro do limite Norte do nosso território, muito bem definido por estes cursos d'água importantes. Entretanto, por razões aparentemente inexplicáveis, o limite traçado no referido Memorial Descritivo, abandona o curso do rio Guaxuma a seu meio (a partir do Ponto-02), passando a percorrer uma linha seca que entra pelo nosso território a dentro até encontrar (no Ponto-04) um curso d'água sem importância e intermitente, o córrego do Benício, sem nenhuma segurança para se constituir em limite do nosso território, seguindo por este até reencontrar o nosso limite verdadeiro no rio Caraíva apenas no Ponto-05 da descrição de limites. A área assim excluída da nossa Terra não chega, Senhor Presidente, a dois il hectares, uma extensão aparentemente irrelevante para a extensão desta Terra, não fora o fato de que esta exclusão, além de dilapidar a segurança do nosso limite, desviando-o de cursos d'água importantes e permanentes, exclui de nosso território uma certa extensão de plantios de eucaliptos da empresa Veracel, alguns deles plantados irregularmente muito próximos às margens do Guaxuma e do Caraíva, e, principalmente, boa parte da chamada Fazenda Lembrança, de suposta propriedade do presidente da associação de fazendeiros de Itamaraju e região, líder dos inimigos da regularização do nosso território, e que, durante todos estes anos em que temos estado lutando por ela, nada mais fez que, por todos os meios possíveis, inclusive por campanhas difamatórias pela imprensa local, semear a discórdia, a desinformação e o ódio contra o povo Pataxó. Ao pretender afastar o nosso limite de trechos dos rios Guaxuma e Caraíva, o estudo ora publicado faz com que não tenhamos acesso a estes importantes trechos de margem destes rios, de modo a podermos defendê-los e proteger a qualidade de suas águas - vital para o suprimento de algumas de nossas comunidades - de agressões muito prováveis como o já existente plantio irregular de eucaliptos. Mais que isto, se estaria mantendo como um "dente" a morder perversamente o nosso território, uma fazenda pertencente justamente ao líder dos inimigos desta nossa Terra! E como se não bastasse, Senhor Presidente, o principal acesso para esta área assim subtraída ao povo Pataxó continuaria a se fazer por dentro do nosso território, não sendo difícil imaginar o foco de tensão e de prováveis conflitos que isto nos traria. Face ao exposto, Senhor Presidente, exigimos que, entre os Pontos 02 e 05 da descrição de limites, o traçado estabelecido na referida publicação seja revisto e inteiramente relocado sobre os cursos dos rios Guaxuma e Caraíva. 3. Limite Norte e Leste: não abrimos mão do território sagrado da Juacema! Imediatamente a Norte da nossa aldeia mãe de Barra Velha, na margem oposta do rio Caraíva, estão situados, Senhor Presidente, no alto de belas falésias junto ao mar, os buracos da Juacema. Foi por estes buracos que, no passado, nossos parentes Bakirá, que vivem debaixo do chão, saíram para nos defender. Os Bakirá são nossos aliados e protetores e nos visitam em nossos rituais para nos estimular a continuar na luta por nossa Terra que é também, por debaixo do chão, a Terra deles. Se preciso for, os Bakirá sairão novamente, como já fizeram, pelos buracos da Juacema, para lutar ao nosso lado. Por isto, o território da Juacema é sagrado para nós e nós não podemos admitir que ele fique de fora da nossa Terra! Atualmente, poucos pataxós vivem na Juacema, de onde fomos sendo expulsos por invasores interessados em explorar as belezas desse nosso lugar; mas ainda vivem muitos dos nossos adultos e velhos que nasceram na Juacema e que teem ali suas raízes, sagradas para eles e para todo o nosso povo. A Constituição e o Decreto 1775 não mandam incluir e proteger, dentro dos limites das Terras Indígenas, as áreas sagradas para os povos que nelas vivem? Pois a Juacema é o lugar onde ainda hoje podemos ver e venerar os sinais da existência de nossos parentes e defensores mais antigos, os Bakirá. Como podemos admitir que este lugar fique fora dos limites da nossa Terra? Por esta razão, Senhor Presidente, exigimos que o limite Norte de nossa Terra seja traçado de modo a incluir a Juacema. Para isto, ele precisa ser modificado entre os Pontos 12 e 14 do Memorial publicado. Em lugar de, a partir do dito Ponto 12, tomar o curso do Rio Preto, sentido jusante, até o Caraíva (Ponto-13) e, por este, seguir o traçado já demarcado da TI Barra Velha; o nosso limite deve, a partir do dito Ponto-12, prosseguir no rumo aproxximado Leste, como já vinha fazendo entre os Pontos 06 e 12, de modo a proteger as nascentes de afluentes da margem esquerda do caraíva nesta área, até alcançar a cabeceira do Rio Setiquara, seguindo por ele, sentido jusante, até a sua foz no Oceano. Com isto, estará incluído e resguardado o nosso território da Juacema. Não é um acrécimo grande com relação aos limites publicados, mas é, Senhor Presidente, um acrécimo indispensável para a preservação da nossa memória, da nossa história, dos nossos locais sagrados. A partir da dita foz do Rio Setiquara no Oceano, deve, então, ter início o trecho Leste da delimitação da nossa Terra, que segue daí pela costa do mar, no sentido Sul. Este limite deve, porém, excluir a vila de Caraíva, junto ao mar e à foz do rio de mesmo nome, vizinha da nossa Terra, e onde de há muito vive uma população urbana, com a qual mantemos boas relações, e que não ameaça nem disputa recursos do nosso território. O nosso limite Leste deve, então, deixar a costa do mar no ponto em que se inicia o perímetro urbano desta vila, indo encontrar o referido Ponto-14 do Memorial publicado, e retomando nele a descrição original, já demarcada, até o Marco 01, novamente junto à costa do mar. A partir deste Marco-01, a descrição restante do limite Leste no Memorial, até o Ponto-18, está correta. Vale referir que, além da vila de Caraíva, também o povoado do Corumbau e a vila de Cumuruxatiba, também junto à costa, devem, pelos mesmos motivos, ficar como enclaves junto ao limite Leste de nossa Terra, entre esta e a costa, com o dito limite Leste traçado, entre os trechos adjascentes do litoral, junto ao perímetro urbano destas povoações. Não é possível, porém, tratarmos aqui de todo este nosso limite Leste já que a parte dele ao Sul do referido Ponto-18, junto ao povoado de Corumbau, não está definido no Memorial ora publicado, ficando sua definição para o indevido, e ainda não aprovado e publicado, relatório da "Terra Indígena Comexatiba". 4. Limite Sul: todo o traçado publicado deve ser desconsiderado! Conforme dito, o limite Sul do Memorial Descritivo publicado para uma "Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal" não corresponde ao limite Sul do verdadeiro território pataxó do Monte Pascoal. Este limite Sul estará inadequadamente definido em processo outro, relativo a uma suposta "Terra Indígena Comexatiba". Face a isto, podemos aqui apenas indicar as linhas gerais do traçado que esperamos ver adotado neste limite, no relatório relativo à dita "TI Comexatiba", e que, em seguida à aprovação deste, as ditas Terras Indígenas "Barra Velha do Monte Pascoal" e "Comexatiba" sejam juntadas em um único processo de regularização. a. Ao Sul da vila de Cumuruxatiba, o limite Leste da nossa Terra Indígena deve prosseguir pela costa até a foz do Rio das Ostras. b. Deve, então, seguir por este rio, sentido montante. c. Deixando o curso do Rio das Ostras, o limite deve adotar um traçado aproximado Sul - Norte, cortando a área denominada "Parque Nacional do Descobrimento" de modo a abranger todas as atuais e antigas ocupações dos Pataxó nesta área, inclusive a localidade da antiga aldeia de Alegria Velha, da qual fomos expulsos na década de 1970 pela empresa Bralanda, e onde existem ainda hoje sinais muito vivos da nossa ocupação tradicional. d. Saindo da área do "Parque Nacional do Descobrimento", o limite da nossa Terra não pode deixar de abranger a localidade denominada Barro Branco. Nesta localidade, como o seu próprio nome indica, há uma importante reserva de argila, de coloração especial, só encontrada em nosso território nesta localidade. Este recurso natural é muito importante para a confecção do material de construção empregado em nossas casas, bem como de outros artefatos cerâmicos usados por nosso povo e próprios da nossa cultura. Infelizmente, Senhor Presidente, esta importante reserva de recurso natural do povo Pataxó está sendo dilapidada e exaurida por pessoas estranhas, moradores de localidades vizinhas ao nosso território. Tememos, Senhor Presidente, que o Barro Branco não seja abrangido pela delimitação da Terra Indígena Comexatiba, como já não o foi pelo da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, e exigimos atenção quanto a isto. 5. Limite Sul: A Terra Indígena Águas Belas faz parte do território pataxó do Monte Pascoal! Embora o relatório publicado declare que a Terra Indígena Águas Belas, já demarcada, é totalmente incorporada na TI Barra Velha do Monte Pascoal; e relacione a aldeia de Águas Belas, única daquela TI, entre as da Terra Indígena ora identificada; não é isto que se verifica no Memorial Descritivo de limites. Com efeito, neste, o limite Sul da TI Barra Velha do Monte Pascoal descreve um traçado que contorna e confronta, mas não incorpora, entre os Marcos M-06 e M-07, em sentido anti-horário, a TI Águas Belas. Para que esta área seja de fato incorporada, como deve ser, é necessário seguir o contorno da TI Águas Belas, entre os ditos Marcos M-06 e M-07, em sentido horário. Exigimos que esta correção, bastante simples, seja providenciada; já que, como está, a Terra Indígena Águas Belas seguiria sendo uma "outra" Terra Indígena, estranha e inadequadamente separada por uma picada demarcatória de outra Terra Indígena do mesmo povo, com a mesma história! 6. Limite Sul: Não abrimos mão da Serra da Gaturama! Desde tempos imemoriais, a Serra da Gaturama forma o limite de Sudoeste do nosso território, protegendo as nascentes dos formadores dos rios Palmares e Corumbau, principal bacia hidrográfica da nossa Terra Indígena do Monte Pascoal. Já em 1943, quando dos primeiros estudos demarcatórios deste território, este limite foi reconhecido e demarcado. No Memorial Descritivo de limites do relatório ora publicado, o limite Sul, entre o Marco M-07 e o Ponto-35, descreve um traçado que inclui trechos de rios importantes dessa bacia e algumas das suas nascentes, junto à Serra da Gaturama; entretanto, o limite adotado percorre a encosta desta serra e não a sua cumeada, como deveria ser. Como se sabe, a preservação de nascentes não se faz protegendo apenas os seus olhos d'água, mas sim toda a área de recarga pluvial nas encostas que lhes sejam adjascentes. Além disto, as partes mais altas da encosta da Serra da Gaturama conservam ainda muitas áreas de mata. Na verdade, algumas das poucas áreas de mata bem preservada do nosso território. Não há sentido pois, Senhor Presidente, para que estas partes mais altas deencosta da Serra da Gaturama e suas matas não sejam incluídas em nossa Terra Indígena. Se assim não se proceder, aqueles que ficarem no domínio destas áreas, dada inclusive a dificuldade de acesso, que decerto se complexificará pela contiguidade com a Terra Indígena, muito logo se apressarão em esgotar o único recurso de aproveitamento imediato desta área, a madeira, dilapidando assim o nosso raro patrimônio de mata e desprotegendo ainda mais a área de recarga das nossas nascentes. Nos foi dito, Senhor Presidente, que a Funai adota, como norma técnica, não estabelecer limites demarcatórios pela cumeada de serras, pelas dificuldades operacionais para isto, dadas as irregularidades do terreno. Temos porém conhecimento de Terras Indígenas aqui em nossa região cujos limites se fazem, sim, pela cumeada de serras, algumas até bastante íngremes, como os já demarcados limites Sul da Terra Indígena Kantaruré, na Bahia, e Oeste da Terra Indígena Kapinawá, em Pernambuco. Sabemos também que os divisores de bacias, frequentemente em cumeadas de serras, são limites seguros porque bem definidos e adequados à proteção de nascentes. De todo modo, se for de fato tecnicamente inadequado estabelecer o limite de nossa Terra Indígena, neste trecho, pela cumeada da Serra da Gaturama, então que se o coloque na encosta oposta e não na encosta interna à nossa Terra, desguarnecendo as nossas matas e as áreas de recarga das nossas nascentes. Exigimos, assim, que os limites descritos neste trecho entre o M-07 e o Ponto-35, sejam redefinidos. 7. Mapa. Para que melhor se identifique os pontos de contestação aqui tratados, estamos anexando a esta um mapa com indicação dos limites que consideramos corretos para a nossa Terra Indígena do Monte Pascoal, e superpostos aos limites do relatório publicado. Feito com os recursos de que dispomos, é possível que este mapa contenha, ainda, uma que outra imprecisão. É suficiente, porém, para que se possa identificar as áreas em que se fazem necessárias as indispensáveis correções aqui descritas. 8. Relatório do estudo de identificação pela Professora Maria Rosário Carvalho. Temos a satisfação de encaminhar com esta, Senhor Presidente, o Relatório de Identificação de nossa Terra Indígena Pataxó do Monte Pascoal, elaborado pela Professora Doutora Maria Rosário Carvalho, antropóloga. Neste relatório estão expostas e justificadas, com o devido detalhe, e com o devido rigor técnico histórico e antropológico, todas as razões e comprovações do quanto vai aqui exposto com relação à tradicional ocupação pelo povo Pataxó de todas as áreas incluídas na proposta de delimitação que aqui encaminhamos, e em contestação, em alguns trechos, à delimitação proposta no relatório aprovado e publicado pela Funai. Como é do conhecimemto de V. Sa., a Professora Maria Rosário é profunda conhecedora do povo Paaxó, de nossa história e do nosso modo de vida, e convive conosco, em trabalhos de pesquisa e de extensão acadêmica, há 35 anos. Mais que isto, quando se impos, em 1999, a exigência, interposta pelo Ministério Público Federal, de que se fizessem os devidos estudos de identificação e delimitação da nossa Terra do Monte Pascoal; e não dispondo a Funai, então, de profissional antropólogo disponível para coordenar Grupo Técnico para tais estudos, nem dos meios para contratar um em tempo hábil; dispôs-se a Professora Rosário, sem nenhum custo pelo seu serviço profissional, a coordenar estes estudos. Infelizmente, Senhor Presidente, os responsáveis pela administração da Funai em gestões anteriores à de V. Sa. não souberam manter, com a Professora Rosário, o diálogo necessário para as devidas definições e redefinições dos meios e dos prazos necessários à realização deste trabalho, tomando em conta inlusive o caráter voluntário do mesmo e os muitos outros compromissos profissionais regulares da Professora. Ainda assim, e mesmo a Funai tendo optado, unilateralmente, em fevereiro de 2005, pela constituição de um novo Grupo de Trabalho, a Professora Rosário prosseguiu com os seus estudos e empenhada na elaboração do respectivo relatório; mantendo sempre o diálogo constante com o povo pataxó e contando com o nosso apoio e a nossa confiança, bem como dos nossos parceiros do Cimi e da Anaí. Honrando esta nossa confiança, este relatório está agora concluído, em tempo hábil e em plena condição de poder contribuir, decisivamente, para o processo de regularização da nossa Terra Indígena Pataxó do Monte Pascoal. Temos certeza, Senhor Presidente, que, além de propiciar e de fundamentar as correções de encaminhamento processual e de delimitação territorial aqui expostas, este relatório também em muito servirá à contestação, pela Funai, das alegações em contrário às evidências da nossa tradicional ocupação de nossa Terra, que serão decerto apresentadas, neste processo de contraditório, pelos atuais ocupantes irregulares desta Terra. Este relatório elaborado pela Professora Rosário pertence ao povo Pataxó e é com muito orgulho que, em nosso nome, nós o encaminhamos. 9. Processo de diálogo e contraditório. Para encerrar queremos recordar-lhe, Senhor Presidente, da iniciativa de diálogo que V. Sa. atenciosamente acolheu quando nos recebeu em reunião, na sede dessa Funai, a 25 de julho último. Graças a estas iniciativa e acolhida, recebemos, a 19 de agosto seguinte, na assembléia anual da nossa Frente de Resistência e Luta Pataxó, com 300 participantes, a visita da antropóloga coordenadora do GT criado em 2005 pela Funai, Leila Sotto-Maior, que já então se dispos a nos prestar alguns esclarecimentos. Em seguida, a 27 de agosto, houve uma primeira reunião técnica, na sede da Funai, dos nossos parceiros e assessores técnicos da Anaí - antropólogo José Augusto Sampaio - e do Cimi - advogado Cláudio Luís Beirão - com os antropólogos da Funai Maria Auxiliadora Sá Leão (Diretora da DAF), Paulo Santilli (coordenador da CGID) e Leila Sotto-Maior (coordenadora do GT); na presença, ainda, da perita antropóloga da Procuradoria da República na Bahia, Sheila Brasileiro. Nesta ocasião, nossos pontos de contestação ao relatório da "TI Barra Velha do Monte Pascoal" - então ainda em fase final de elaboração - conforme aqui tratados, foram apresentados à Funai, de modo verbal e em caráter preliminar; parecendo contar, então, com a compreensão e a disponibilidade para as devidas reformulações, da parte dos representantes técnicos do órgão. Ficou agendada então uma segunda reunião técnica, a ser realizada no dia 1º de outubro, na cidade de Itamaraju, com a participação de representantes indígenas, quando então chegaríamos, muito provavelmente, ao desejado consenso. Para organizar a nossa participação nessa reunião e preparar, formalmente, nossa proposta técnica de delimitação, convidamos a Professora Maria do Rosário a uma reunião conosco a 29 de setembro, em nossa aldeia da Cassiana, à qual ela gentilmente compareceu, juntamente com nossos parceiros e assessores da Anaí e do Cimi. Nesta ocasião, tomamos conhecimento de várias das peças do relatório que ora encaminhamos, também já em fase final de elaboração; contudo, para nossa surpresa e frustração, antes mesmo dessa data, haviamos sido comunicados, por telefone e sem maiores justificativas, que a reunião marcada para o dia 1º seguinte não se realizaria. Ja a 25 de setembro, havíamos oficiado à Funai solicitando que a reunião fosse mantida; mas apenas por ofício da Diretora da DAF datado de 5 de outubro, recebemos resposta negativa a esta nossa solicitação, com alegações que não aceitamos. Em carta de 9 de outubro dirigida a V. Sa. e a outras autoridades federais pelo porta-voz da nossa Frente de Resistência e Luta Pataxó, Joel Braz, manifestamos nossa contrariedade face a essa ruptura unilateral, pela Funai, do processo de diálogo tão atenciosamente acolhido por V. Sa. em nosso encontro de 25 de julho. Entretanto, não obtendo mais nenhuma resposta da Funai até a supra referida publicação, em 29 de fevereiro último, do relatório anteriormente em discussão; e sem que se acatassem os pleitos por modificações que havíamos preliminarmente apresentado, não nos resta, Senhor Presidente, outro recurso que não o de ingressarmos, em conformidade com o que dispõe o Decreto 1775/96, com a presente peça de contestação e seus respectivos anexos, Relatório de Identificação e mapa. Reconhecemos o trabalho e a honestidade de propósitos de todos os técnicos engajados no GT criado pela Funai em 2005; mas entendemos que o resultado desse trabalho, tal qual apresentado na referida publicação, requer revisões significativas, sob pena de não se ter respeitados os direitos territoriais do povo Pataxó, constitucionalmente reconhecidos. Entendemos também, por fim, que a presente contestação é, ainda, expressão da nossa confiança no processo de diálogo com a Funai acolhido por V. Sa. e que, do nosso ponto de vista e em nosso ânimo, jamais encerramos. Confiantes na atenção de V. Sa. e dos técnicos dessa fundação, ficamo-lhe antecipadamente gratos. Atenciosamente, Brasília, 26 de maio de 2008
Coleções e subcoleções temáticas
História indígena e do indigenismo no Sul e Extremo Sul da Bahia > Territórios da retomada Pataxó
Espécie e tipo de documento textual
Correspondência (Carta - Ofício - Telegrama - etc)
Título
Carta da Frente de Resistência e Luta Pataxó 26/05/2008
Local de produção
Data
26/05/2008
Período ou ano do documento
Século 21 > Década 2000 > 2008
Tipo de correspondência
Nome(s) do(s) destinatário(s)
Cargo(s) do(s) destinatário(s)
Presidente da FUNAI